Destralhe-se

Ariela Maier M. Novaes
2 min readAug 6, 2024

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Um livro pode mudar um pensamento. Ele pode ter essa força sozinho, ou em conjunto com acontecimentos do momento.

“O que deixamos para trás” (Margareta Magnusson) é um livro que fala sobre a arte sueca de ir se desapegando e reduzindo a quantidade de coisas com o passar dos anos com o objetivo de não deixar a “arrumação final” para filhos, parentes ou qualquer outra pessoa que acabe ficando responsável por limpar tudo que alguém deixou pra trás depois de sua morte.

Recomendo a leitura para iniciar um destralhe não só de objetos, mas também mental.

Além de coisas físicas espalhadas por aí, o quanto você carrega em sua cabeça?

Eu sei que na minha, carrego muito. A carga se traduz em check lists intermináveis com aqueles quadradinhos boiando em frente aos meus olhos, e esperando pacientemente (ou desesperadamente) para serem ticados. Momento após momento, dia após dia. Sem trégua.

Mas em alguns lapsos, eu enxergo que esse hábito não é nada eficiente, e trago um CHEGA bem alto e consciente para parar de me cobrar a todo momento do que tenho de fazer.

Tenho tentado criar uma “Caixinha do nada” na minha cabeça. Escutei essa expressão de algumas pessoas no meu antigo trabalho há mais de um ano. Nunca achei que ela existisse em mim, mas finalmente enxerguei a possibilidade de criá-la. Acontece que essa caixinha é na verdade praticamente um cômodo no meu cérebro, e não é que não tem nada dentro, se faz na verdade um refúgio de quando preciso me isolar desse assédio moral e contínuo dessas benditas caixinhas.

Por mais que estudar, trabalhar e organizar a vida e o dia a dia me deem uma boa dose de sentimento de utilidade e felicidade, existe um cantinho de mim que não está muito contente com esses excessos. Esse cantinho sente falta de deitar pós almoço e fazer nada ou sonecar. Sente falta de ler um livro de ficção só por diversão. Sente falta de colorir. Sente falta de escrever como estou fazendo agora. Sente falta de respirar. Não por obrigação, como uma meditação ou na aula de ioga, mas com a consciência de estar presente aqui e agora e com a possibilidade de criar qualquer coisa, e de fato vivenciar a liberdade muitas vezes só criada na imaginação de um possível futuro distante.

A pergunta final é: se eu morresse agora, qual dessas caixinhas realmente importaria ter sido ticada?

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